RMG – Ética, espiritualidade e fraternidade: as armas contra o terrorismo |
França – Mensagem conjunta do Inspetor e da Inspetora |
(ANS – Paris)– Faz alguns meses, a França foi atrozmente afrontada pelo horror perpetrado por alguns jovens em Paris. Quem de nós não se sentiu chocado com tais imagens? Quem não se viu transtornado pelos testemunhos dos sobreviventes? Quem não ficou desconcertado perante esses seres humanos que preferiram matar e matar-se em vez de fazer florescer a vida? Damos a palavra ao P. Emmanuel Besnard, salesiano, especializado em educação, que partilha as suas reflexões e nos oferece alguns estímulos para “entrar na resistência”.
Após os atentados de novembro, alguns de nós foram assaltados por um ímpeto de cólera. Cólera contra aqueles homens que justificam as suas atrocidades. Cólera perante as tensões que se insinuavam nas conversas ouvidas cá e acolá. Cólera perante o clima de suspeitas que as medidas de segurança interna faziam pressentir. Esses espasmos terroristas conseguiram enfim estrangular o fundamento da humanidade: o ímpeto para a vida, a fé, o amor. Perante aquilo que devemos justamente definir “o mal”, somos urgidos a um trabalho de reflexão. Como Maria, que “meditava essas coisas em seu coração” (Lc 2, 19), entremos na resistência. Não numa resistência passiva, mas num verdadeiro combate pela vida, numa batalha de se partilhar com os jovens e que se declina em três aspectos inseparáveis.
Uma batalha ética
Xavier Thevenot a definia “(uma)a obra à qual o sujeito está obrigado quando, encarando o mal, recusando o suicídio e o niquilismo, busca – com os outros e agindo com e para além das instituições de uma dada sociedade – achar e criar em parte o sentido da sua vida”.
Aceitar esse desafio não significa justificar o mal que foi perpetrado, mas refletir sobre o impacto do mal no mundo; e achar as respostas para reivindicar ao invés o lugar do belo, do bom e do bem.
Entra-se nessa luta ética mediante o diálogo nas famílias, nas aulas, nos campos esportivos, em grupos de pastoral e noutros lugares em que vivem os jovens. Estes diálogos serão mais frutuosos se se confiar numa informação mínima acerca da fé muçulmana: o que é e o que não é; acerca dos mecanismos ativados pelos ‘jihadistas’ para atrair candidatos ao terrorismo; e acerca dos modos de proteger-se. Se os jovens compreendem melhor as problemáticas enxertadas por atos terroristas e se não caírem em confusões simplistas, saberão melhor enfrentar os discursos reducionistas e construir um sentido para a sua vida e para a sociedade em que vivem.
Uma batalha espiritual
No inferno do campo nazista de Westerbok, Etty Hillesum escreveu esta oração: “Eu Te ajudarei, meu Deus, a não apagar-Te em mim. Não és Tu que nos podes ajudar: somos nós que podemos ajudar-Te a Ti. É tudo quanto nestes tempos podemos salvar. E é também a única coisa que conta: um pouco de Ti em nós, meu Deus”. Aceitar pois o desafio significa que nos apoiemos uns nos outros para velar no recolhimento e na oração, para que seja o Ressuscitado, isto é, o Vivente, a habitar em nosso coração.
E não deslembremos que, contra os espíritos imundos que enlouqueciam o rapaz do Evangelho (Mc 9,29), Jesus declarou: “Este gênero de espíritos só se podem expulsar com a oração e o jejum”. Como não ver, portanto, nesse rapaz do Evangelho, todos esses jovens tornados loucos pelos ‘jihadistas’?
Para entrar num combate espiritual junto com os jovens é necessário antes de tudo ajudá-los a formar-se uma ideia perante as imagens transmitidas pelas nossas tevês. Seria coisa muito boa limitar o tempo de exposição a essas transmissões. Mas a verdadeira chave é educá-los a olhar criticamente quanto veem. Nas últimas semanas, diversos sítios web propuseram critérios de discernimento para compreender e interpretar as imagens e as notícias.
Este combate requer o apoio imprescindível daquilo que é o elemento essencial da sua vida. Para os jovens que partilham convicções de Fé cristã, um adaptado tempo de oração ou uma linda celebração (eucarística ou não) podem ser recursos reais para sustentar os jovens no desenvolvimento da sua interioridade e no aprofundamento da sua Fé.
Uma perspectiva ulterior consiste em sair do contexto francês e apoiar-se na experiência dos cristãos do Oriente Médio. Encontrar-se com os migrantes dessas regiões, discutir algum vídeo sobre a vida dos cristãos do Iraque ou ainda propor alguma oração pelos nossos irmãos do Oriente – pode revelar-se sugestivo e fecundo.
Uma batalha pela fraternidade
Mais que nunca o valor da “Fraternidade”, tão cara à República Francesa, deve permear as nossas preocupações e as nossas ações. Creio que a fraternidade seja ainda mais importante para os nossos irmãos muçulmanos que estão espantados pelas proezas de alguns dos seus. Os convites dos jovens de “CoExister” e da associação dos estudantes muçulmanos da França, muito difundidos na rede social, devem alentar-nos. Esses jovens nos pedem continuar a construir juntos uma sociedade multicultural mais justa e mais fraterna.
Lutar pela fraternidade equivale a continuar a encontrar-se com o outro, seja ele quem for, e a ter confiança nele. Os encontros com pessoas de cultura ou religião diferentes favorecem a construção da vida conjunta. Sabemos todos que os jovens apreciam as experiências de partilha e diálogo com coetâneos de outras culturas. Basta ouvir os jovens que tenham participado de alguma das JMJ para disso nos convencermos agradavelmente. Quanta necessidade têm os jovens de encontrar-se com homens e mulheres de diferentes pertenças sociais e culturais! Mais amplamente: é toda a nossa sociedade a precisar de entrar nas passarelas que favoreçam a partilha das riquezas culturais.
Pensar que poderíamos ‘desertar’ de uma só que fosse dessas batalhas, seria um erro, porque todas perfazem uma só coisa. Entrar na resistência contra o terror promovido pelos... terroristas exige que nós respondamos “Eis-me aqui!”, para todas as batalhas. Porque, de que valeria ordenar todas as forças do mundo, tornar de muitos modos segura a Internete, multiplicar os controles nos lugares de reunião?!...
A melhor arma na luta contra o terrorismo continua sendo a educação. Trabalho de longo prazo, com efeitos por vezes invisíveis, a educação parece a única possibilidade em condição de promover nos jovens um sentido para a vida, a Fé, o Amor. Educar em tempos de terrorismo requer se articulem os três níveis de ação: ético, espiritual e de crescimento fraterno. Não podemos ter medo de entrar no tempo da educação.
Como o Menino Jesus, que, nos braços de Nossa Senhora Auxiliadora, mantém os braços sempre abertos em sinal de acolhida, unamos as nossas melhores energias para fazer com que floresçam homens e mulheres apaixonados pela vida, pela fé, pelo amor.
P. Emmanuel BesnardSDB
Publicado em 12/02/2016