Caríssimos e caríssimas,
não cessamos de viver acontecimentos (deixo a palavra sem adjetivo). Agora é o P. Marek, salesiano de 34 anos, na Tunísia desde 2007, com a garganta cortada num depósito da escola dos salesianos de Manouba.
O Ministério do Interior divulgou um comunicado segundo o qual o assassino é o carpinteiro da escola. Os padres salesianos afirmam que o assassino havia pedido emprestado, no passado Eid (três meses faz) 2000 dinares tunisianos para a compra de material para o seu trabalho. Parece que havia gasto o dinheiro em outras coisas; o fornecedor se recusava a entregar-lhe o material não pago; o P. Marek insistia para que o dinheiro voltasse à escola. Vitimado pelo pânico e temendo ser descoberto, assevera o comunicado do Ministério do Interior, “o assassino surpreendeu o sacerdote, golpeando-o, repetida e violentamente com objeto contundente, na nuca e no pescoço, provocando-lhe a morte. O assassinato foi cometido por medo de ser descoberto”.
Apenas se completem as formalidades jurídicas, celebraremos uma grande Eucaristia, na Catedral, antes que se levem seus restos mortais para a sua pátria, a Polônia. O dia e a hora da cerimônia serão publicados.
Que dizer? Horror, tristeza, indignação, revolta, preocupação, medo, dúvida… – tudo a um só tempo! Por que foi assassinado o P. Marek? Por 2000 dinares! Ousa-se apenas acreditar. Haverá certamente detalhes que eu não conheço! Mas há ao contrário outros que eu conheço:
- Sei que o P. Marek havia escrito, duas semanas antes do seu assassínio, a respeito do povo tunisiano: “É uma nação jovem, inteligente, incapaz de violência (sic!), profundamente boa, incapaz de odiar”.
- Sei que tinha apenas terminado o seu primeiro livro sobre a Tunísia, no qual se afirma entre outras coisas: “Durante a permanência na Tunísia, a minha atitude para com meus irmãos muçulmanos mudou assazmente. Esse medo de terrorismo e de extremismo desapareceu totalmente. Os tunisianos são deveras acolhedores, amigos, cordiais. Ensinam-me esta atitude”.
- Sei que ele se oferecera como voluntário para vir à Tunísia quatro anos faz, quando, havia pouco, se tinha ordenado sacerdote.
- Sei que havia pedido dinheiro por todos os lugares a fim de levantar mais ambientes naquela escola que tanto amava e da qual era o administrador.
Imagino estar diante do seu assassino a fazer-lhe algumas perguntas: Por que realmente mataste o P. Marek? E por que desse modo tão bárbaro? A sua jovem idade, a sua inocência, não te inspiraram nenhum sentimento de piedade? Nem seu físico tão franzino? Mataste-o a golpes de martelo...: não era suficiente? Era realmente necessário cortar-lhe a garganta e deixá-lo a jazer em seu próprio sangue? Como pudeste dormir depois de havê-lo feito? Tu, de que matéria és – tu – feito? E que religião professas? És dos que acreditam no Deus compaixão e misericórdia (Al Rahman Al Rahim)? E como consegues coadunar o teu crime com tua fé?
Responde a essas perguntas, tranquiliza-te, tranquiliza o nosso coração de pai e irmãos... E te prometo, em seguida, o perdão. Deverás entretanto pedi-lo antes a Deus. Só ao depois o terás também da Igreja Católica na Tunísia”.
“Se o grão caído em terra não morre...”. O grão caiu, morreu. E seguindo o exemplo de Cristo, a quem o P. Marek se consagrara, deu fruto: todas as mensagens de solidariedade, todas as cenas de participação, as flores depostas à porta da Catedral, os tunisianos e tunisianas que fizeram manifestação na frente à Catedral sob o lema “Marek, perdão!”, os jovens tunisianos vindos à Catedral, domingo, 20, com flores e lágrimas nos olhos...: “Nós não o matamos! – diziam! – Esta não é a Tunísia... Perdoai-nos!”, partiram, abraçando as Irmãs.
As reações oficiais são do mesmo teor: do Primeiro Ministro, do Ministério do Interior, do Exterior, do Trabalho, da Instrução, dos Negócios Religiosos, do Turismo; dos Embaixadores árabes e estrangeiros; também do partido islâmico Al Nahda .... “Havia necessidade do assassinato de um sacerdote para tomarmos conhecimento de toda esta participação e desse afeto? O preço é muito alto. Apreciamos enormemente todos esses gestos de amizade. Mas eles não valem uma só gota do sangue do nosso Marek”.
E agora? Pois bem, agora vamos em frente. Não é hora para pânicos, mas para fé, paciência, precaução.
Ir embora? Nem se pense. Os tempos difíceis não são tempos de fuga. Digo-o antes de tudo em meu nome, e penso de o poder dizer também em nome de todo o pessoal religioso da Igreja da Tunísia e em nome dos cristãos presentes no País. Digo-o também pelos nossos irmãos muçulmanos e judeus. Nós ficamos neste País que nos acolhe. Que nos ama. E que nós amamos. Ficamos também por vós, porque nos queremos enriquecer com a vossa presença e a vossa diferença, e vos propomos também os valores em que acreditamos e que buscamos viver, apesar das nossas fraquezas; valores esses que vos podem oferecer um suplemento de fé, de esperança e de confiança.
A vida é mais forte do que a morte. O AMOR também.
+ MAROUN LAHHAM, ARCEBISPO
Tradução (de original francês) aos cuidados da Redação.
Publicado em 24/02/2011